Havia um velho. Havia um velho sem teto embaixo do teto daquela casa abandonada.
O velho disperso, o velho inquieto, olha para mim como se procurasse alguma coisa.
Como se em mim houvesse um tesouro escondido. Um tesouro que só quem estivesse bem pertinho poderia tocar, poderia sentir.
Atordoada, me aproximei daquele senhor estranho. Daquele senhor que carregava em suas costas um enorme saco preto cheio de bugigangas lá dentro.
O velho, ora sim ora não, dava enormes sorrisos infantis. Sorria com a leveza de uma criança cheia de esperança. Sorria como se tivesse uma gigantesca herança em seu enorme saco preto.
Caminhando devagar, o velho seguia em frente, e em frente ao sol poente ele senta e abre o seu saco preto. E com todo cuidado, ele desenrola todos os objetos que lá estavam enrolados, e estende-os sobre o saco a fim de expor os seus sujos retalhos.
Os retalhos eram de linha, e pareciam cadarços... Juro que me esforcei ao máximo para compreender o que era aquilo, mas não consegui decifrar. Não consegui compreender a loucura e a simplicidade daquele homem, e acho que aí é que consiste toda a graça da situação, pois loucura alguma é compreensível, afinal, a loucura é louca. O máximo que conseguimos fazer é justificar uma coisinha ou outra, mas ainda sim, a loucura é louca.
E aquele velhinho fofo, certamente, é louco. E são os loucos que me atraem. São os loucos que possuem a graça de se admirar com o interior, com o esplendor das coisas.
Enfim, depois da minha breve divagação sobre a loucura, retorno para o rosto daquele senhor, que após ele expor os seus “produtos” ou “objetos”, como preferirem, o senhor sentou-se com um enorme ar de satisfação. O senhor estava muito contente com tudo que expusera, com tudo que tinha a oferecer para os caminhantes. Estava contente com os seus objetos desconexos e também estava contente com o seu nobre sorriso singelo.
E com todo o ar de satisfação, ele apertou a minha mão e disse:
- Quer levar alguma coisa?
E eu respondi:
- Ah, eu adoraria, porém, eu não sei o que são as suas coisas.
E ele, com uma expressão muito reflexiva me disse:
- Não se preocupe, jovem. Um dia você saberá e verás além da matéria. E quando esse dia chegar, não necessariamente você precisará saber o que é para poder compreender, não necessariamente você precisará compreender para que você possa sentir e fluir.
Fiquei atônita com a colocação do sujeito, não esperava jamais alguma resposta que me fizesse perder o chão daquela maneira, mas ainda sim, eu sorri e disse:
- Pode deixar, caro senhor. Eu não me preocupo. Eu vôo para conseguir enxergar além. Eu vôo para ser além, e por certo, que eu já enxerguei em você, um enorme sorriso de quem carrega consigo um fardo leve e um julgo suave, e com toda verdade te digo, Deus te abençoe, senhor! E muito obrigada pela sua lição de amor e humildade.
E o velho, sem o menor disfarce, sorriu e dormiu ali com toda a sua sinceridade.